sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A segunda aparição das caixas de papelão

No exato momento em que Otaviano estava devolvendo as cinco caixas de papelão ao lugar em que as encontrara, entrou na casa o corretor acompanhado pelo casal Virgílio Mota Neto e sua esposa Clarice. Os funcionários da empresa de mudança contratada por Otaviano já haviam carregado o caminhão e estavam prestes a partir. Virgílio olhou para as cinco caixas de papelão no meio da sala, olhou para Otaviano.  Antes que pudesse formular a pergunta estampada em seu rosto, Otaviano respondeu:
- Encontrei essas cinco caixas vazias aqui quando nos mudamos para cá. Estou apenas devolvendo o que não é meu.
- Mas não tenho utilidade para elas. Trarei minhas próprias caixas – rebateu Virgílio.
- Então jogue as fora. Recicle-as. Queime-as. Não me importo. Agora são suas.
- Tecnicamente, não – retrucou Virgílio, - se não forem suas, não tem o direito de dá-las para mim.
Cecília, conhecedora do temperamento de seu marido e, por isso, ciente da briga iminente, puxou o marido pelo braço e disse: - Cuidaremos dessas caixas mais tarde. Nem sabemos ainda se ficaremos aqui. Vamos, quero ver a casa.

Foram inspecionar a cozinha, o banheiro social; depois,  os aposentos no andar de cima. Satisfeito com o que vira, Virgílio retornou para a sala após pouco tempo, enquanto Cecília pedia mais alguns minutos para examinar as instalações hidráulicas da casa. Otaviano já havia partido juntamente com o caminhão. O barulho de descargas acionadas ressoava pela casa. Virgílio ficou olhando pelas generosas janelas da sala. Lá fora, em frente à casa, estava uma mulher recolhendo tralha do jardim. Em conhecimento do drama familiar que se passara nesta casa, Virgílio deduziu que se tratava da ex-esposa de Otaviano. Provavelmente havia aguardado a partida de seu desafeto para então recolher seus últimos pertences. Estava debruçada sobre a pilha de objetos jogados na grama e, um por um, guardava-os em sacos plásticos. Aquilo não era nada prático, pensou Virgílio. Algumas caixas de papelão certamente resolveriam aquela situação com maior eficácia.
Então Virgílio teve a ideia de oferecer-lhe as caixas deixadas pelo ex-marido. Ajudaria assim a mulher em sua situação lastimável e se livraria ao mesmo tempo do problema das caixas que não lhe pertenciam. Mas quando se voltou para por em prática a sua nobre intenção, hesitou: Estavam ali na sala não cinco, mas sete caixas de papelão.
- Você encontrou mais caixas vazias pela casa? – perguntou à esposa Cecília, que, naquele momento, vinha descendo pela escada com um ar de profunda preocupação.
- Um dos vasos está vazando – disse.
- De onde surgiram estas duas caixas? – insistiu Virgílio.
Cecília, não reconhecendo a gravidade na voz de seu marido, continuou:
- Temo que o encanamento desta casa precisa ser trocado.
- Você tocou em alguma caixa de papelão? – Havia agora um timbre de urgência inconfundível na voz de Virgílio.
Cecília olhou para o marido, que a fitava com um estranho brilho.
- Onde está o corretor? - perguntou Virgílio
- Lá fora, atendendo um cliente ao celular.
- Esse tempo todo?

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